quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Breves noções sobre Constituição


Dr. J.J. Gomes Canotilho

O que é uma Constituição moderna?

Um documento escrito, pelo qual se pretende fundar, organizar e legitimar o poder político, nomeadamente pela separação dos poderes e consagrar e garantir os
direitos e liberdades fundamentais.

Constituição em sentido formal

Tem o objectivo de identificar as normas que foram abrangidas pela intenção
constituinte, foram objecto, na sua discussão e aprovação, dum procedimento
constituinte e às quais deve ser imediatamente reconhecida a dignidade
constitucional

Constituição em sentido instrumental

O poder constituinte quis criar um único instrumento normativo. Poderiam ter sido
criadas várias leis constitucionais, ou uma constituição baseada em alguns textos,
costumes e convenções constitucionais, como existe em Inglaterra.
Uma constituição que foi escrita como um único texto normativo, fundador da
ordem jurídica, sendo um instrumento autónomo, que se interpreta a si mesmo
nas várias relações de interdepedência semântica que os preceitos estabelecem
entre si.

Constituição em sentido normativo

A Constituição é a norma fundamental do ordenamento jurídico. É ela que define
quais são os órgãos com competência, quais os procedimentos para produzir
actos normativos, quais as formas externas que esses actos normativos podem
revestir e qual o conteúdo substantivo das normas.
Constituição em sentido normativo enquadra-se no contexto das várias fontes de
direito, afirmando a sua superioridade formal e material
Constituição em sentido material
Constituíção em sentido material, são as normas que regulam as estruturas do
Estado e da Sociedade nos seus aspectos fundamentais, independentemente
das fontes formais onde possam estar consagradas. De uma norma fundamental,
como o é a Constituição, espera-se que se preocupe apenas com aspectos
fundamentais (materiais) do funcionamento do Estado e da Sociedade.

Constituição real em sentido sociológico

Com este conceito, aborda-se a constituição, tendo em conta as forças
políticas, económicas, culturais, sociais, religiosas, etc, que existem numa
determinada sociedade, que são determinantes para a legitimação do conteúdo de
uma determinada constituição e que abrangem todas as forças duma comunidade
política.

Breve resumo sobre o Contrato Social


Dr. J.J. Gomes Canotilho
       


O Contrato social

Para o desenvolvimento do constitucionalismo a teoria do contrato social foi muito importante.Inicialmente os indivíduos encontram-se em estado de natureza e possuem direitos,os direitos naturais, os quais só podem ser exercidos pela força.

Os indivíduos estão num estado permanente de guerra, onde os direitos dos mais fortes vão prevalecer sobre os dos mais fracos.
 Para passarem ao estado civil os indivíduos cedem o exercício do poder através do contrato social. O indivíduo vem antes da comunidade que aparece só através do contrato social.

Havia três versões do contrato social, segundo a maneira de tratar o estado de
natureza, a de Hobes , a de Locke e a de Rousseau, mas todas comportam uma
ruptura fundamental com a linha de pensamento aristotélico–tomista.
Para Aristóteles o indivíduo não podia ser pensado independentemente da sociedade.
Para S.Tomás de Aquino o indivíduo era um animal social e defendia a primazia da
sociedade sobre o indivíduo.

Hobes – o contrato social uma vez celebrado, os indivíduos entregam todos os
seus direitos naturais na mão do monarca. O monarca executa esses direitos e
só está subordinado às leis de Deus. Os direitos naturais dos indivíduos são
Concentrados nas mãos do monarca, ficando os indivíduos na sua dependência.

Locke - considera que os direitos naturais são inalienáveis e irrenunciáveis. Para o
monarca apenas é transferido o poder executivo dos direitos naturais, sendo
este a capacidade de usar a força no sentido de impor o respeito pelos direitos
Naturais de cada indivíduo. Jà não é a lei da força, mas sim a força da lei. O
Monarca não tem os direitos dos cidadãos, mas tem o direito de usar a força para
fazer respeitar os direitos naturais dos indivíduos, estando o próprio monarca
Subordinado a esses direitos.

A teoria de Locke é extremamente importante no pensamento constitucional !
O monarca, ou o Estado, estão limitados por direitos fundamentais e existem para
fazer respeitar esses mesmos direitos. Lock vê o Estado como uma criação humana
através de um contrato voluntário, com o objectivo de proteger os direitos naturais
dos indivíduos.

É esta a tradição liberal!
J. J. Rousseau – defende uma teoria de contrato social diferente das anteriores.
Segundo Rousseau os indivíduos celebram um contrato social e entram no estado
Civil, mas não alienam nada a ninguém. Defende a soberania indelegável de cada
Indivíduo, a soberania popular que resulta do contrato social, do referendo popular.
Para Rousseau a maioria representava a vontade geral revestida das vontades
Particulares, as minorias não eram protegidas.

RESUMO do contrato social:
Hobbes: os direitos naturais são transferidos para o monarca.
Locke: só os direitos executivos dos direitos naturais são transferidos.
Rousseau: nada é transferido, os indivíduos retêm toda a parcela de
Soberania

Relação Jurídica


Relação jurídica

A vida social é vida de relação, isto é, desenvolve-se através de contactos que se estabelecem entre homens e criam entre eles vínculos.
A expressão relação jurídica pode ser tomada num sentido amplo e num sentido restrito ou técnico.
Num sentido amplo designa-se por relação jurídica toda a situação ou relação da vida social relevante para o Direito (juridicamente relevante), isto é, produtiva de efeitos jurídicos e, portanto disciplinada pelo Direito.
Num sentido restrito (stritu sensu) ou técnico designa-se por relação jurídica toda a relação da vida social disciplinada pelo Direito, mediante atribuição a uma pessoa de um direito subjectivo e a imposição a outra pessoa de um dever jurídico ou de uma sujeição.
De entre as relações jurídicas destingue-se a relação jurídica em sentido abstrato e a relação jurídica em sentido concreto.
A relação jurídica em sentido abstracto é uma relação virtual que equivale a determinado tipo tal como ele esta regulada na lei, quer dizer, corresponde ao tipo negocial.
Estamos, por exemplo, perante uma relação jurídica abstracta quando falamos da relação pela qual o inquilino deve pagar a renda ao senhorio, ou o comprador deve pagar ao vendedor o preço do bem que adquiriu.
A relação jurídica em sentido concreto é uma relação jurídica individualizada em que as regras da relação em sentido abstrato ganham vida num caso concreto, mediante a aplicação a este caso concreto do tipo regulamentado na lei.
Estamos, por exemplo, perante a uma relação jurídica concreta na situação em que o senhorio A pode exigir do inquilino B a renda de 30.0000 Kz, pelo arrendamento do prédio X.
Nesta senda é importante desde já fazer a destrinça entre relação jurídica e instituto jurídico, expressão que se encontra frequentemente na linguagem dos juristas.
Instituto jurídico é o conjunto de normas legais que estabelecem a disciplina de uma série de relações jurídicas em sentido abstrato, ligadas por uma afinidade, normalmente a de estarem integradas no mesmo mecanismo jurídico ou ao serviço da mesma função.
O instituto jurídico designa o conjunto dos preceitos legais relativamente as relações jurídicas de um determinado tipo.

Estrutura da relação jurídica

Na senda do Prof. Mota Pinto, iremos nos focar na estrutura da relação jurídica considerando-a o seu conteúdo, o seu cerne.
Toda relação jurídica existe entre sujeitos, incidirá normalmente sobre um objecto, promana de um facto jurídico, a sua efectivação pode fazer-se mediante recurso a providências coercivas, adequadas a proporcionarem a satisfação correspondente ao sujeito activo da relação, isto é a relação jurídica esta dotada de garantia.
A estrutura da relação jurídica é constituída pelo vínculo, nexo e a ligação que existe entre os sujeitos.
Ao definir a relação jurídica verificou-se estar integrada por um direito subjectivo e por um dever jurídico ou sujeição. Nota que estes constituem a estrutura interna, o conteúdo da relação jurídica.
Vamos agora caracterizar separadamente as respectivas noções em que se decompõe a relação jurídica.
Direito subjectivo: é o poder jurídico (reconhecido pela ordem jurídica a uma pessoa) de livremente exigir ou pretender de outrem um comportamento positivo( acção) ou negativo      (omissão).
Da definição de direito subjectivo podemos extrair duas modalidades:
a)      Os direitos subjectivos propriamente ditos
b)      Os direitos potestativos
São direitos subjectivos propriamente ditos os direitos de crédito ( aos quais se contrapõe um dever jurídico de pessoa ou pessoas determinadas, os direitos reais e os direitos de personalidade( aos quais se contrapõe uma obrigação passiva universal ou dever geral de abstenção, que impende sobre todas as outras pessoas, os direitos de família, quando não forem poderes-deveres, etc.
Na totalidade das hipóteses, o titular do direito subjectivo, se a contraparte não cumpre o dever jurídico a que está adstrita, pode obter dos tribunais e autoridades subordinadas a estes providências coercivas aptas a satisfazer o seu interesse. Deve nestes casos falar-se de poder de exigir.
Os direitos potestativos são poderes jurídicos de, por um acto livre de vontade, só de per si ou integrando por uma decisão judicial, produzir efeitos jurídicos que inelutavelmente se impõe a contraparte.
Corresponde-lhe a sujeição, a situação de necessidade em que se encontra o adversário de ver produzir-se forçosamente uma consequência na sua esfera jurídica por mero efeito do exercício do direito pelo seu titular.
Os direitos potestativos, consoante o efeito jurídico que tendem a produzir podem ser constitutivos, modificativos ou extintivos.

Dever jurídico e a sujeição: O dever jurídico corresponde aos direitos subjectivos propriamente dito- o sujeito do dever, expondo-se embora a sansões, tem a possibilidade prática de não cumprir. O direito ordena ao titular do dever jurídico um determinado comportamento e apoia esta ordem ou comando com as sansões jurídicas dirigidas ao obrigado que dolosamente ou negligentemente, se exime ao cumprimento do dever.

To be continued

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

O homem, a sociedade e o Direito


Por: Prof. Suzana J. de Oliveira Carmo

Freqüentemente, torna-se difícil conceituar algo tão subjetivo como é o desenvolvimento humano ante o convívio social. Por isto, não temos a pretensão de alcançar um conceito único, ou, ditado em última instância como essência geral daquilo que é, ou ainda, que pode ser, a sociedade. Mesmo porque, tal conceito pode encontrar variações, pois, estará sempre exposto, como dito antes, ao subjetivismo inerente à pessoa humana. E, de tal forma, a sociedade têm para cada um de nós um aspecto peculiar, uma importância diferente, e nem por isto, menos significativa. Assim, diante desta visão também particularizada, pode a sociedade suprir necessidades distintas para cada um de nós. É como se cada indivíduo concebesse o seu próprio conceito, percebesse a sua própria variante e, a adequasse, como diria Ortega y Gasset às suas circunstâncias pessoais.

Para Ralph Linton muitas podem ser as definições descritivas feitas ao “objeto” ou “fenômeno” chamado sociedade. Contudo, afirma que, uma definição simples; feita em linguagem comum, pode ser tão substancial quanto qualquer outra. E, dentro desta concepção simplista Linton descreve:

Sociedade é todo grupo de pessoas que vivem e trabalham juntas durante um período de tempo suficientemente longo para se organizarem e para se considerarem como formando uma unidade social, com limites bem definidos”. E acrescenta: A sociedade é um grupo de indivíduos, biologicamente distintos e autônomos, que pelas suas acomodações psicológicas e de comportamento se tornaram necessários uns aos outros, sem eliminar sua individualidade. Toda vida em sociedade é um compromisso e tem a indeterminação e a instabilidade própria das situações desta natureza”.

Entendemos, portanto, que a sociedade se correlaciona com a história, porque esta se constrói por impulsos tendenciosamente humanos, e ainda, será sempre um pólo representativo da cultura, mesmo porque, sabidamente, a cultura nada mais é, senão o resultado da evolução social obtida pelas ações humanas sobre a natureza existente. Daí porque, podemos até atrelar um conceito prévio de desenvolvimento social, como sendo a arte humana erigida em prol da sobrevivência amparada e assistida pelos demais. Posto que, o homem como animal humano, racional e dinâmico conseguiu, desde logo, verificar que para ele seria impossível subsistir sem a sociedade, não só por anseio de ser parte integrante do todo, mas, principalmente, por consciência de suas fragilidades.

Diante destas ponderações anteriores, pudemos observar que as relações sociais são oriundas da interação de reciprocidade entre os homens e destes com o seu meio. Duguit procurou ir além, quando quis determinar o momento em que a norma social (usos e costumes) se torna jurídica, partindo do conhecimento de que a lei positiva e a função jurisdicional nas sociedades humanas, bem como a função legislativa, existem todas em função da vida em sociedade. Porque, notadamente, temos uma clara idéia de que o direito nasce do acúmulo de valores individuais, que se agrupam na solidariedade social, por isto, posteriormente nascem normas que correspondem aos valores e necessidades sociais antecedentes. Assim, diz Duguit:

O homem vive em sociedade e só pode assim viver; a sociedade mantém-se apenas pela solidariedade que une seus indivíduos. Assim uma regra de conduta impõe-se ao homem social pelas próprias contingências contextuais, e esta regra pode formular-se do seguinte modo: Não praticar nada que possa atentar contra a solidariedade social sob qualquer das suas formas e, a par com isso, realizar toda atividade propícia a desenvolvê-la organicamente. O direito objetivo resume-se nesta fórmula, e a lei positiva, para ser legítima, deve ser a expressão e o desenvolvimento deste princípio. (...) A regra de direito é social pelo seu fundamento, no sentido de que só existe porque os homens vivem em sociedade”.

Evaristo de Morais Filho disserta sobre esta idéia, e diz que: “Vigente é o direito que obtém, em realidade aplicação eficaz, o que se imiscuiu na conduta dos homens em sociedade, e não o que simplesmente se contém na letra da lei, sem ter conseguido força real suficiente para impor-se aos indivíduos e grupos sociais”. E, esta também a diretriz traçada por Maria Helena Diniz, quando reitera Morais Filho, dizendo:

A eficácia social diz respeito à relação semântica da norma (signo) não só com a realidade social a que se refere, mas, também com os valores positivos (objetos denotados). Logo, será eficaz, semanticamente, a norma constitucional que tiver condições fáticas de atuar, por ser adequada à realidade social e aos valores positivos, sendo pôr isso obedecida”. [4]

Dalmo de Abreu Dallari, numa exposição coerente, nos reporta a um conceito significativo da vida em sociedade, in verbis:

A sociedade humana é um conjunto de pessoas ligadas pela necessidade de se ajudarem umas às outras, a fim de que possam garantir a continuidade da vida e satisfazer seus interesses e desejos.

Sem a vida em sociedade, as pessoas não conseguirem sobreviver, pois o ser humano, durante muito tempo, necessita do outros para conseguir alimentação e abrigo. E no mundo moderno, com a grande maioria das pessoas morando nas cidades, com hábitos que tornam necessários muitos bens produzidos pela indústria, não há quem necessite dos outros muitas vezes por dia. Mas as necessidades dos seres humanos não são apensas de ordem material, como alimentos, a roupa, a moradia, os meios de transportes e os cuidados da saúde. Elas são também de ordem espiritual e psicológica. Toda pessoa humana necessita de afeto, preciso amar e sentir-se amada, quer sempre que alguém lhe dê atenção e que todos a respeitem. Além disso, todo ser humano tem suas crenças, tem sua fé em alguma coisa, que é base de suas esperanças. 

Os seres humanos não vivem juntos, não vivem em sociedade, apenas porque escolhem esse modo de vida, mas porque a vida em sociedade é uma necessidade humana. Assim, por exemplo, se dependesse apenas da vontade, seria possível uma pessoa muito rica isolar-se em algum lugar, onde tivesse armazenado grande quantidade de alimentos. Mas essa pessoa estaria em pouco tempo, sentindo falta de companhia, sofrendo a tristeza da solidão, precisando de alguém com quem falar e trocar idéia, necessitada de dar e receber afeto. E muito provavelmente, ficaria louca se continuasse sozinha por muito tempo.

Mas, justamente porque vivendo em sociedade é que a pessoa humana pode satisfazer suas necessidades, é preciso que a sociedade seja organizada de tal modo que sirva, realmente, para esse fim. E não basta que a vida social permita apenas a satisfação de algumas necessidades da pessoa humana ou todas as necessidades de apenas algumas pessoas. A sociedade organizada com justiça é aquela que procura fazer com que todas as pessoas possam satisfazer todas as suas necessidades, têm as mesmas oportunidades, aquela em que os benefícios e encargos são repartidos igualmente entre todos. Para que essa repartição se faça com justiça, é preciso que todos procurem conhecer seus direitos e exijam para que sejam respeitados, como também devem conhecer e cumprir seus deveres e suas responsabilidades sociais”.

Dalmo Dallari descreveu com muita propriedade esta necessidade puramente humana de manter-se unido e coeso com os demais. Seguramente, não se trata de um capricho ou simples desejo individual direcionado à solidariedade e unificação social, é questão de sobrevivência que vem orientada pelos instintos, bem como reconhecida pelo intelecto racional.

E, segundo a tese defendida por Oscar Donney’s, Piedad Marín, Yaneth Rivera, sob o título:“La Concepción de Desarrollo y de Gerencia”, da Escola de Gerência Social, da Fundación Carvajalna Colombia, há uma relação de similitude entre o objetivo social e o político, e nos dizem sucintamente:

Como processo político o desenvolvimento social deve dirigir-se a fortalecer a unidade da nação e assegurar aos seus integrantes a vida, a convivência, o trabalho, a justiça, a igualdade, o conhecimento, a liberdade e a paz, dentro de um marco jurídico, democrático e participativo que garanta a ordem política, econômica e social justa”.

Por estes aspectos, o homem, reconhecidamente social, é incapaz de viver ou existir dentro de um contexto alheio ou isolado da sociedade à qual pertença. E, esta vivência comum, exige de cada um, o cumprimento de deveres e obrigações, e, numa justa proporção o usufruto de direitos. Assim, a finalidade do Estado de Direito, é manter pacífica a convivência social, através de “regras de conduta” capazes e eficazes de sustentar e manter a solidez social. E, quando vamos além, e falamos em Estado Democrático de Direito, estamos nos referindo a um Estado de participação ampla, a ponto de fornecer ao indivíduo mecanismos de defesa, de preservação de direitos, de respeito às garantias e liberdades, passíveis de serem invocados até mesmo contra o próprio Estado. E, de tal forma, a sociedade é, pois, um sistema único que integraliza as relações humanas, dirigido à satisfação de suas necessidades.

Responsabilidade Civil


Introdução

Trata-se da figura que, depois dos contratos, maior importância prática e teórica assume na criação dos vínculos obrigacionais, seja pela extraordinária frequência com que nos Tribunais são postas acções de responsabilidade, seja pela dificuldade especial de muitos dos problemas que o instituto tem suscitado na doutrina e na jurisprudência.
Na rubrica da responsabilidade civil, cabe tanto a responsabilidade proveniente da falta de cumprimento das obrigações emergentes dos contratos, de negócios unilaterais ou da lei (responsabilidade contratual), como a resultante da violação de direitos absolutos ou da prática de certos actos que, embora lícitos, causam prejuízo a outrem (responsabilidade extra-contratual).
Sob vários aspectos, responsabilidade contratual e responsabilidade extra-contratual funcionam como verdadeiros vasos comunicantes.
Por um lado, elas podem nascer do mesmo facto e transitar-se facilmente do domínio de uma delas para a esfera normativa própria da outra.
Por outro lado, é bem possível que o mesmo acto envolva para o agente (ou o omitente), simultaneamente, responsabilidade contratual, e responsabilidade extra-contratual, tal como é possível que a mesma ocorrência acarrete para o autor, quer responsabilidade civil, quer responsabilidade criminal, consoante o prisma sob o qual a sua conduta seja observada.

97. Regime jurídico da responsabilidade civil
A expressão responsabilidade civil é ambígua porque dentro dela há que distinguir dois grandes sectores:
a)     A responsabilidade obrigacional ou contratual: é aquela que resulta do incumprimento de direitos subjectivos de crédito, do incumprimento de obrigações em sentido técnico-jurídico;
b)     Responsabilidade extra-obrigacional: extra-contratual, delitual ou aquiliana, está prevista e regulada nos arts. 483º segs. CC.
Nesta definição do quadro da responsabilidade civil em sentido amplo, é preciso ainda ter em conta que, quer no campo da responsabilidade extra-obrigacional, quer no campo da responsabilidade obrigacional, ainda há dois sub-sectores:
-         Responsabilidade subjectiva, quando ela depende da existência de culpa do agente, de culpa do autor da lesão;
-         Responsabilidade objectiva, quando o agente se constitui na obrigação de indemnizar independentemente de culpa.

RESPONSABILIDADE POR FACTOS ILÍCITOS

98. Pressupostos
A simples leitura do art. 483 CC, mostra que vários pressupostos condicionam, no caso da responsabilidade por factos ilícitos, a obrigação de indemnizar o lesante:
a)     Facto (controlável pela vontade do homem);
b)     Ilicitude;
c)      Imputação do facto ao lesante;
d)     Dano;
e)     Um nexo de casualidade entre o facto e o dano.

99. Facto voluntário do lesante (a)
O elemento básico da responsabilidade do agente – um facto dominável ou controlável pela vontade, um comportamento ou uma forma de conduta humana – pois só quanto a factos dessa índole têm cabimento a ideia de ilicitude, o requisito da culpa e a obrigação de reparar o dano nos termos em que a lei a impõe.
Este facto consiste, em regra, num acto, numa acção, ou seja, num facto positivo, que importa a violação de um dever geral de abstenção, do dever de não ingerência na esfera de acção do titular do direito absoluto. Mas pode traduzir-se também num facto negativo, numa abstenção ou numa omissão (art. 486º CC).
Quando se alude a facto voluntário do agente, não se pretende restringir os factos humanos relevantes em matéria de responsabilidade dos actos queridos, ou seja, àqueles casos em que o agente tenha prefigurado mentalmente os efeitos do acto e tenha agido em vista deles.
O que está geralmente em causa, no domínio da responsabilidade civil, são puras acções de facto, praticadas sem nenhum intuito declarativo.

100.        Ilicitude (b)
O Código Civil procurou fixar em termos mais precisos o conceito de ilicitude, descrevendo duas variantes, através das quais se pode relevar o carácter anti-jurídico ou ilícito.
1)     Violação de um direito de outrem (art. 483º CC): os direitos subjectivos aqui abrangidos, são, principalmente, os direitos absolutos, nomeadamente os direitos sobre as coisas ou direitos reais, os direitos de personalidade, os direitos familiares e a propriedade intelectual.
2)     Violação da lei que protege interesses alheios: trata-se da infracção das leis que, embora protejam um direito subjectivo a essa tutela; e de leis que, tendo também ou até principalmente em vista a protecção dos interesses colectivos, não deixam de atender aos interesses particulares subjacentes.
Além disso, a previsão da lei abrange ainda a violação das normas que visam prevenir, não a produção do dano em concreto, mas o simples perigo de dano em abstracto.
Para que o lesado tenha direito à indemnização, três requisitos se mostram indispensáveis:
1)     Que a lesão dos interesses do particular corresponda a violação de uma norma legal;
2)     Que a tutela dos interesses dos particulares figure, de facto, entre os fins da norma violada;
3)     Que o dano se tenha registado no círculo de interesses privados que a lei visa tutelar.


101.        O abuso do direito

Não se trata da violação de um direito de outrem, ou da ofensa a uma norma tuteladora de um interesse alheio, mas do exercício anormal do direito próprio. O exercício do direito em termos reprovados pela lei, ou seja, respeitando a estrutura formal do direito, mas violando a sua afectação substancial, funcional ou teleológica, é considerado como legítimo. Isso quer dizer que, havendo dano, o titular do direito pode ser condenado a indemnizar o lesado.

Há abuso de direito (art. 334º CC), sempre que o titular o exerce com manifesto excesso dos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes, ou pelo fim económico ou social desse direito.
Com base no abuso de direito, o lesado pode requerer o exercício moderado, equilibrado, lógico, racional do direito que a lei confere a outrem; o que não pode é, com base no instituto, requerer que o direito não seja reconhecido ao titular, que este seja inteiramente despojado dele.

102.        Factos ilícitos especialmente previstos na lei
Além das duas grandes directrizes de ordem geral fixadas no art. 483º CC, sobre o conceito de ilicitude, como pressuposto da responsabilidade civil, o Código Civil trata de modo especial alguns casos de factos anti-jurídicos:
a)     Factos ofensivos do crédito ou bom-nome das pessoas (art. 484°CC);
b)     Conselhos, recomendações ou informações geradoras de danos (art. 485º CC).

103.        Causas justificativas do facto ou causas de exclusão da ilicitude
A violação do direito subjectivo de outrem ou da norma destinada a proteger interesses alheios constitui, em regra, um facto ilícito; mas pode suceder que a violação ou ofensa seja, coberta por alguma causa justificativa do facto de afastar a sua aparente ilicitude.
O acto do exercício de um direito, ainda que cause danos a outrem, é um acto lícito desde que o direito seja exercido em conformidade com a boa fé, com os bons costumes, com o fim económico e social do direito e respeitando as regras de compatibilização de direitos do art. 335º CC. Isto é, em todos os casos em que o titular do direito exerce regularmente o seu direito, ainda que prejudique outrem, normalmente não comete um acto ilícito.
Constituem causas de justificação as formas de tutela privada de direitos:
-         Acção directa (art. 336º CC);
-         Legítima defesa (art. 337º CC);
-         Estado de necessidade (art. 339º CC).
Têm em comum algumas características:
a)     Natureza preventiva: a lei admite excepcionalmente a autotutela de direitos, mas tipicamente com carácter preventivo, para evitar a violação de direitos e não para reagir à violação de direitos, não com carácter repressivo.
b)     Carácter subsidiário: só é lícito actuar em acção directa, em legítima defesa ou em estado de necessidade quando não seja possível em tempo útil recorrer aos meios normais.
c)      Princípio da proporcionalidade: o acto só é lícito na medida em que cause danos inferiores, previsivelmente inferiores àqueles que resultariam do acto que se pretende evitar.

104.        Acção directa
É o recurso à força para realizar ou assegurar o próprio direito. (art. 336º CC). Para que a ela haja lugar, torna-se necessário a verificação dos seguintes requisitos:
a)     Fundamento real: é necessário que o agente seja titular dum direito que procura realizar ou assegurar;
b)     Necessidade: o recurso à força terá de ser indispensável, pela impossibilidade de recorrer em tempo útil aos meios coercivo normais, para evitar a inutilização prática do direito do agente;
c)      Adequação: o agente não pode exceder o estritamente necessário para evitar o prejuízo;
d)     Valor dos interesses em jogo: através da acção directa, não pode o agente sacrificar interesses superiores aos que visa realizar ou assegurar.

105.        Legítima defesa

Consiste na reacção destinada a afastar a agressão actual e ilícita da pessoa ou do património, seja do agente ou de terceiro (art. 337º CC).
Como requisitos:
a)     Agressão: que haja uma ofensa da pessoa ou dos bens de alguém;
b)     Actualidade e ilicitude da agressão: que a agressão (contra a qual se reage) seja actual e contrária à lei;
c)      Necessidade da reacção: que não seja viável nem eficaz o recurso aos meios normais;
d)     Adequação: que haja certa proporcionalidade entre o prejuízo que se causa e aquele que se pretende evitar, de modo que o meio usado não provoque um dano manifestamente superior ao que se pretende afastar.

106.        Estado de necessidade

É igualmente lícito o acto daquele que, para remover o perigo actual de um dano manifestamente superior, quer do agente, quer de terceiro destrói ou danifica coisa alheia (art. 339º CC).
O estado de necessidade consiste na situação de constrangimento em que age quem sacrifica coisa alheia, com o fim de afastar o perigo actual de um prejuízo manifestamente superior.
Consentimento do lesado (art. 340º CC), consiste na equiestância do titular à prática do acto que, sem ela, constituiria uma violação desse direito ou uma ofensa de uma norma tuteladora do respectivo interesse.

107.        Nexo de imputação, do facto ao lesante – culpa (c)
Para que o facto ilícito gere responsabilidade, é necessário que o autor tenha agido com culpa. Não basta reconhecer que ele procedeu objectivamente mal. É preciso, nos termos do art. 483º CC, que a violação ilícita atenha sido praticada com dolo ou mera culpa. Agir com culpa, significa actuar em termos de conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito. E a conduta do lesante é reprovável, quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia agir de outro modo.
Fala-se em nexo de imputação para significar que não basta que o agente tenha praticado um facto voluntário, não basta que esse facto, tendo sido praticado voluntariamente seja ilícito, é preciso que ele possa ser imputado ao agente; e só é imputado ao agente quando o agente actuou culposamente.
A culpa em sentido amplo abrange duas sub-modalidades:
1.      Culpa em sentido estrito, também designada por mera culpa ou negligência;
2.      Dolo.
Há casos em que as pessoas não têm os requisitos para actuar culposamente. Para que uma pessoa seja susceptível do juízo de culpabilidade, é preciso que ela seja imputável; para lhe serem imputados actos é preciso que ela seja susceptível de imputação, que seja imputável ou tenha imputabilidade.

108.        Imputabilidade

Diz-se imputável a pessoa com capacidade natural para prever os efeitos e medir o valor dos actos que pratica e para se determinar de harmonia com o juízo que faça acerca deles (art. 488º CC).
Ele caracteriza-se:
·        Pela capacidade de entendimento mínimo que permite ao sujeito prever as consequências dos seus actos;
·        E pelo mínimo de liberdade, que lhe permitia determinar-se.
É imputável o sujeito que tem o mínimo de inteligência para perceber alcance do acto que pratica e que tem liberdade de determinação, isto é, que é livre de decidir ou não de praticar o acto, é sito que se chama imputabilidade.
Pode dizer-se que para haver responsabilidade da pessoa inimputável é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a)     Que haja um facto ilícito;
b)     Que esse facto tenha causado danos a alguém;
c)      Que o facto tenha sido praticado em condições de ser considerado culposo, reprovável, se nas mesmas condições tivesse sido praticado por pessoa imputável;
d)     Que haja entre o facto e o dano o necessário nexo de causalidade;
e)     Que a reparação do dono não possa ser obtida dos vigilantes do inimputável;
f)        Que a equidade justifique a responsabilidade total ou parcial do autor, em face das circunstâncias concretas do caso.

109.        Culpa
A culpa (art. 487º CC) exprime um juízo de reprovabilidade pessoal da conduta do agente: o lesante, em face das circunstâncias específicas do caso, devia e podia ter agido de outro modo. É um juízo que assenta no nexo existente entre o facto e a vontade do autor, e pode revestir duas formas distintas: o dolo e a negligencia ou mera culpa.
·        Há dolo, quando o agente actuou por forma a aceitar, a admitir, as consequências ilícitas da sua conduta. Diz-se dolosa a conduta quando o agente, não tendo previsto as consequências danosas e ilícitas que do seu acto iriam resultar, não fez nada para as afastar, porque as admitiu.
·        Há mera culpa, quando o agente actuou levianamente, imponderadamente, negligentemente, sem cuidado ou sem atenção, quando o agente, numa palavra, não empregou a diligência que o bom pai de família, colocado naquela situação, teria empregado.

110.        Modalidades de culpa
A distinção entre dolo e a negligência, como modalidades de culpa, aparece logo referida na disposição que constitui a trave-mestra de toda a construção legislativa da responsabilidade civil (art. 483º/1 CC). O dolo aparece como modalidade mais grave da culpa, aquela em que a conduta do agente, pela mais estreita identificação estabelecida entre a vontade deste e o facto, se torna mais fortemente censurável. As modalidades de dolo são:
-         Dolo directo, quando o agente actuou para obter a consequência ilícita danosa e a obteve; o agente actuou intencionalmente para o resultado ilícito;
-         Dolo necessário, quando o agente não tinha como objectivo do seu comportamento o resultado ilícito, mas sabia que o seu comportamento ia ter como resultado necessário, inevitável, o ilícito;
-         Dolo eventual, quando o agente prefigura a consequência ilícita e danosa como uma consequência possível do seu comportamento e não faz nada para a evitar.
Além do nexo, entre facto ilícito e a vontade do lesante, nexo que constitui o elemento volitivo ou emocional do dolo, este compreende ainda um outro elemento, de natureza intelectual. Para que haja dolo essencial o conhecimento das circunstâncias de facto que integram a violação do direito ou da norma tuteladora de interesses alheios e a consciência da ilicitude do facto.

111.        Mera culpa ou negligência
Consiste na omissão da diligência exigível do agente.
Há culpa consciente, quando o agente representou a possibilidade da consequência ilícita danosa e só actuou porque se convenceu de infundada e megalómanamente que conseguiria evitar a produção dessa consequência.
Há culpa inconsciente, o agente não previu o resultado, não pensou nisso e ele ocorreu.
A mera culpa (consciente ou inconsciente) exprime, uma ligação da pessoa com o facto menos incisiva do que o dolo, mas ainda assim reprovável ou censurável. O grau de reprovação ou de censura será tanto maior quanto mais ampla for a possibilidade de a pessoa ter agido de outro modo, e mais forte ou intenso o dever de o ter feito.




112.        Causas de escusa, causas de exclusão da culpabilidade

Há circunstâncias que em concreto afastam a culpa do agente, isto é, fazem com que o agente não seja objecto do juízo de culpabilidade quando seria normalmente se essas circunstâncias não tivessem ocorrido.
A nossa lei faz referência a duas causas de escusa, de uma forma técnica nos arts. 337º/2 e 338º CC.
Faz-se referência a uma causa de exclusão de culpabilidade que é o medo, desde que revista certas características:
·        Essencial: tenha sido ele a causa determinante do comportamento do agente ou, dito de outro modo, o agente só tenha actuado por causa do medo;
·        Desculpável: isto é, seja um medo, uma situação psicológica de intimidação, em que o bom pai de família também teria incorrido se estivesses naquela situação.

113.        Prova da culpa, presunção de culpa
Sendo a culpa do lesante um elemento constitutivo do direito à indemnização, incumbe ao lesado, como credor, fazer a prova dela, nos termos gerais da repartição legal do ónus probatório (art. 342º/1 CC). Regra oposta vigora para o caso da responsabilidade contratual (art. 799º/1 CC), onde o facto constitutivo do direito de indemnização é o não cumprimento da obrigação, funcionando a falta de culpa como uma excepção, em certos termos oponível pelo devedor.
Ao afirmar o princípio segundo o qual, na responsabilidade delitual, é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão (art. 487º/1CC).
E há com efeito, vários casos em que a lei presume a culpa do responsável.

114.        Dano (d)
Para haver obrigação de indemnizar, é condição essencial que haja dano, que o facto ilícito culposo tenha causado um prejuízo a alguém.
O dano é, o prejuízo que um sujeito jurídico sofre ou na sua pessoa, ou nos seus bens, ou na sua pessoa e nos seus bens.
Classificação de danos:
-         Danos pessoais: aqueles que se repercutem nos direitos da pessoa;
-         Danos materiais: aqueles que respeitam a coisas;
-         Danos patrimoniais: são aqueles, materiais ou pessoais, que consubstanciam a lesão de interesses avaliáveis em dinheiro, dentro destes à que distinguir:
a)     Danos emergentes: é a diminuição verificada no património de alguém em consequência de um acto ilícito e culposo de outrem, ou de um acto na ilícito e culposo mas constitutivo de responsabilidade civil para outrem;
b)     Lucros cessantes: quando em consequência do acto gerador de responsabilidade civil, deixa de auferir qualquer coisa que normalmente teria obtido se não fosse o acto que constitui o agente em responsabilidade.
-         Danos patrimoniais (ou morais): são os danos que se traduzem na lesão de direitos ou interesses insusceptíveis de avaliação pecuniária. O princípio da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais é limitado à responsabilidade civil extra-contratual. E não deve ser ampliado à responsabilidade contratual, por não haver analogia entre os dois tipos de situações.
-         Dano é presente ou futuro, consoante já se verificou ou ainda não se verificou no momento da apreciação pelo Tribunal do direito à indemnização; isto é, futuros, são todos os danos que ainda não ocorreram no momento em que o Tribunal aprecia o pedido indemnizatório, mas cuja ocorrência é previsível e provável.
-         Dano real: é o prejuízo efectivamente verificado; é o dano avaliado em si mesmo;
-         Dano de cálculo: é a transposição pecuniária deste dano, é a avaliação deste dano em dinheiro.
A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo, e não à luz de factores subjectivos. Por um lado, a gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado.
A reparação obedecerá a juízos de equidade tendo em conta as circunstâncias concretas de cada caso (art. 496º/3 CC – 494º CC).
A indemnização, tendo especialmente em conta a situação económica do agente e do lesado, é assim mais uma reparação do que uma compensação, mais uma satisfação do que uma indemnização.

115.        Nexo de causalidade entre o facto e dano (e)
Para que o dano seja indemnizável é forçoso que ele seja consequência do facto, ilícito e culposo no domínio da responsabilidade subjectiva extra-obrigacional, facto não culposo no domínio da responsabilidade objectiva, onde o facto gerador do dano pode mesmo ser um facto lícito.
Em qualquer caso, e portanto em qualquer das modalidades da responsabilidade civil, tem sempre que haver uma ligação causal entre o facto e o dano para que o actor do facto seja obrigado a indemnizar o prejuízo causado.

116.        Titularidade do direito à indemnização
Tem direito à indemnização o titular do direito violado ou do interesse imediatamente lesado, com a violação da disposição legal, não o terceiro que só reflexa ou indirectamente seja prejudicado.
Sem prejuízo do prazo correspondente à prescrição ordinária – 20 anos – (contado sobre a data do facto ilícito: arts. 498º - 309º CC), o direito à indemnização fundada na responsabilidade civil sujeito a um prazo curto de prescrição (três anos). A prova dos factos que interessam à definição da responsabilidade, em regra feita através de testemunhas, torna-se extremamente difícil e bastante precária a partir de certo período de tempo sobre a data dos acontecimentos.
Há dois prazos de prescrição:
-         O prazo ordinário (vinte anos) conta a partir do facto danoso;
-         O prazo de três anos, conta a partir do momento em que o lesado tem conhecimento do seu direito, isto é, conhecimento dos factos constitutivos do seu direito.

RESPONSABILIDADE EXTRA-OBRIGACIONAL PELO RISCO OU OBJECTIVA

117.        Introdução
A responsabilidade pelo risco ou objectiva, caracteriza-se por não depender de culpa do agente. A obrigação de indemnizar nasce do risco próprio de certas actividades e integra-se nelas, independentemente de dolo ou culpa.
Por força da remissão feita no art. 499º CC, deve aplicar-se à responsabilidade pelo risco o disposto no art. 494º CC. O facto de a responsabilidade objectiva não depender de culpa do agente não impede que a indemnização seja fixada em montante inferior ao dano, quando a situação económica do responsável pelo risco e do lesado e as demais circunstâncias o justifiquem.

118.        Carácter objectivo da responsabilidade
A lei civil vigente assinala de modo inequívoco o carácter objectivo da responsabilidade do comitente, afirmando (art. 500º/1 CC) que ele responde, independentemente da culpa e que (n.º 2) a sua responsabilidade não cessa pelo facto de o comissário haver agido contra as instruções recebidas.
Não se trata de uma simples presunção de culpa, que ao comitente incumba elidir para se eximir à obrigação de indemnizar, trata-se de a responsabilidade prescindir da existência de culpa, nada adiantando, por isso, a prova de que o comitente agiu sem culpa ou de que os danos se teriam igualmente registado, ainda que não houvesse actuação culposa da sua parte.

119.        Requisitos
Para que exista responsabilidade prevista no art. 500ºCC, é preciso que se verifiquem cumulativamente vários requisitos:
-      Que exista entre dois sujeitos jurídicos uma relação da comissão: é uma relação de comissão, é uma relação em que um dos sujeitos realiza um acto isolado, ou uma actividade duradoura, por conta de outrem e sob as instruções de outrem;
-      O comissário tenha praticado um acto constitutivo para ele, comissário, de responsabilidade civil: para haver obrigação de indemnizar para o comitente, é indispensável que o acto do comissário constitua, para ele comissário, uma obrigação de indemnizar;
-      Para que haja obrigação de indemnizar do comitente nos termos do art. 500º CC: é o de que o comissário pratique o facto danoso e constitutivo de responsabilidade civil no exercício das suas funções.

120.        Responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas
É aplicável ao Estado e às restantes pessoas colectivas públicas nos termos do art. 501º CC, quanto aos danos causados pelos seus órgãos ou representantes do exercício de actividades de gestão privada, o regime fixado para o comitente.
O Estado e as demais pessoas colectivas públicas:
a)     Respondem perante o terceiro lesado, independentemente de culpa, desde que os seus órgãos, agentes ou representantes tenham incorrido em responsabilidade;
b)     Gozam seguidamente do direito de regresso contra os autores dos danos, para exigirem o reembolso de tudo quanto tiverem pago, excepto se também houver culpa da sua parte.
São actos de gestão pública os que, visando a satisfação de interesses colectivos, realizam fins específicos do Estado ou outro ente público e que muitas vezes assentam sobre o ius auctoritatis da entidade que os pratica.
Os actos de gestão privada são, de modo geral, aqueles que, embora praticados pelos órgãos, agentes ou representantes do Estado ou de outras pessoas colectivas públicas, estão sujeitos às mesmas regras que vigoraram para a hipótese de serem praticados por simples particulares. São actos em que o Estado ou a pessoa colectiva pública intervém como um simples particular, despedido do seu poder de soberania ou do seu ius auctoritatis.
Os órgãos da pessoa colectiva, são as entidades, abstractamente consideradas, de composição singular ou colegial, às quais incumbe, por força da lei, ou dos estatutos, exprimir o pensamento ou traduzir e executar a vontade dessa pessoa.
Os agentes são as pessoas que, por incumbência ou sob a direcção dos órgãos da pessoa colectiva, executam determinadas operações materiais. Dá-se o nome de representantes os mandatários desses órgãos, ou seja, as pessoas por ele incumbidas de realizar em nome da pessoa colectiva quaisquer actos jurídicos.

121.        Responsabilidade por factos lícitos
O acto pode ser lícito e obrigar, todavia, o agente a reparar o prejuízo que a sua prática porventura cause a terceiro.
A licitude do acto não afasta necessariamente o dever de indemnizar o prejuízo que, num interesse de menor valor sofreu o dono da coisa usada, destruída ou danificada. E por isso se impõe nuns casos, e se admite noutros, a fixação da indemnização a cargo do agente ou daqueles tiraram proveito do acto ou contribuíram para o estado de necessidade (art. 339º/2CC).